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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Eu sou um cristão de meia-tigela

Até onde eu iria por amor a Cristo? Será que meu Cristianismo é o que Jesus idealizou para mim? Ajudo ao máximo que posso os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, tento capengamente lutar contra o pecado, busco com muito esforço o conhecimento de Deus, invisto tempo em desfazer as obras do diabo, me esforço por viver uma vida de amor longe da ira divina, entendo a necessidade de ida aos cultos… eu achava que até que não era um cristão de se jogar fora. Mas aí fui estudar Teologia. Meu professor de História da Igreja indicou um livro. E livros, vc sabe…mudam vidas. Esse livro em especial mudou a minha.
Chama-se “O Livro dos Mártires”, escrito no século 16 por John Foxxe e reeditado pela Mundo Cristão. A obra relata com detalhes como foi o martírio de muitos cristãos que se recusaram a negar sua fé e pagaram com suas vidas por isso. Aproveitei um feriado para reler o livro e voltei a ter a mesma sensação que tive da primeira vez que o li: eu não valho nada. Entre lágrimas, vi o relato de homens e mulheres normais, como eu e você, que, quando lhes foi exigido negar Cristo, entregaram seus corpos a dores lancinantes e suas vidas à morte para não fazer isso.
Em época de Teologia da Prosperidade, Teologia Relacional, Teologia Liberal, “Love Wins”, comercialização da fé, simonias e todo esse “me-dá-me-dá-me-dá” gospel, resolvi reproduzir aqui alguns trechos do livro. E desse eu faço propaganda mesmo: compre e leia inteiro, vale a pena. Pois, se você chegar ao fim do livro e não se sentir um lixo, é sinal de que você está longe de ser um cristão com “C” maiúsculo. Eu me sinto ridículo enquanto cristão ante os exemplos que você lerá abaixo. Vamos a alguns deles, muito resumidos:
1. Os apóstolos
Aqui nós temos o relato sobre a morte dos apóstolos de Cristo, obtidos segundo a tradição da Igreja:
“Depois do martírio de Estêvão, quem padeceu em seguida foi Tiago, o santo apóstolo de Cristo e irmão de João. ‘Quando esse Tiago,’ diz Clemente, ‘foi trazido para o banco dos réus, quem o trouxe e foi a causa da sua aflição, vendo que ele seria condenado e sofreria a morte, sentiu-se tão comovido em seu coração e consciência que, a caminho da execução, confessou que ele também era cristão. E assim foram conduzidos juntos. Durante o caminho pediu a Tiago que perdoasse o que ele fizera. Depois de ponderar o caso por um instante consigo mesmo, Tiago voltou-se para ele e disse:
— Que a paz esteja contigo, irmão — e beijou-o. Os dois foram decapitados juntos, em 36, d.C.
Tomé (…) padeceu em Calamina, uma cidade da Índia, sendo morto por uma flechada. Simão, irmão de Judas e de Tiago, o jovem (que eram filhos de Maria Clopas e de Alfeu), foi bispo de Jerusalém depois de Tiago e foi crucificado numa cidade do Egito no tempo do imperador Trajano. Simão, o apóstolo, chamado Cananeu e Zelotes, pregou na Mauritânia, na África e na Bretanha: ele também foi crucificado. Marcos, o evangelista e primeiro bispo de Alexandria, pregou o evangelho no Egito e lá, amarrado e arrastado para a fogueira, foi queimado e depois sepultado num lugar chamado ‘Bucolus’, sob o imperador Trajano. Diz-se de Bartolomeu que também pregou aos indianos e que traduziu o evangelho de Mateus para a língua deles. Por fim, em Albinópolis, cidade da grande Armênia, após várias perseguições, foi abatido a bordoadas e depois crucificado. Em seguida, após ser esfolado, foi decapitado.
Sobre André, o apóstolo e irmão de Pedro, assim escreve Jerônimo: ‘(…) O procônsul atacou-o e ordenou que André nunca mais ensinasse e pregasse essas coisas; caso contrário, deveria ser amarrado à cruz imediatamente. André, permanecendo firme e constante em suas convicções, respondeu assim sobre o castigo com que fora ameaçado: ‘Que ele não teria pregado a honra e glória da cruz, se temesse a morte na cruz. Depois disso, foi pronunciada a sentença de condenação: André deveria ser crucificado, por ensinar e promover uma nova seita e por abolir a religião dos seus deuses. Ao dirigir-se ao lugar do martírio e ao ver ao longe a cruz já preparada, André não mudou nem de semblante nem de cor, seu sangue não se retraiu, a voz não hesitou, o corpo não desfaleceu, a mente não se perturbou, o entendimento não lhe faltou, como sói acontecer com os homens. Sua voz, porém, falou extravasando a abundância do seu coração, e uma ardente caridade mostrou-se nas suas palavras como centelhas de fogo. Disse ele: ‘Ó cruz, extremamente bem-vinda e tão longamente esperada! De boa vontade, cheio de alegria e desejo, eu venho a ti, discípulo que sou daquele que pendeu de ti: pois sempre fui teu amante e sempre desejei te abraçar” [grifos meus]
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2. Inácio
O patriarca Inácio faz parte da primeira geração de pais da Igreja pós-apostólica. O relato de sua morte, no ano 117 d.C., chama atenção em especial pelas suas palavras aos irmãos de Roma.
“Ao chegar a Esmirna, escreveu à igreja de Roma exortando os cristãos a não lançar mão de meio algum a fim de livrá-lo do martírio, evitando de privá-lo daquilo que ele mais almejava e esperava. ‘Agora começo a ser um discípulo. Não me interesso por nada do que é visível ou invisível, para que possa apenas conquistar Cristo. Que sobrevenham a fogueira e a cruz, que venham as feras selvagens, que venham a quebra de ossos e a dilaceração dos membros, que venha a trituração do corpo inteiro, que assim seja. Quero apenas conquistar Cristo Jesus!’. E mesmo quando ele foi condenado a ser atirado às feras, tão ardente era o seu desejo que, ao ouvir o rugido dos leões, disse:
— Eu sou o trigo de Cristo: serei triturado pelos dentes de animais selvagens para poder ser considerado pão puro”.
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3. Policarpo de Esmirna
O relato da morte de Policarpo de Esmirna, no ano 156, é impressionante pelo desapego que o patriarca demonstra pela vida terrena. O texto é de uma força excepcional:
“Quando ele foi trazido ao tribunal, houve um grande tumulto no instante em que a multidão percebeu que Policarpo estava preso. O procônsul perguntou-lhe se ele era Policarpo. Ao ouvir a confirmação, ele o aconselhou a negar a Cristo, dizendo-lhe:
— Olhe para si mesmo e tenha pena de sua idade avançada. — E acrescentou muitas outras frases que eles costumam dizer, tais como ‘Jure pela fortuna de César’, ‘Arrependa-se’ e ‘Diga: Abaixo os ateus’. Então Policarpo, com aspecto grave, contemplando toda a multidão no estádio e acenando-lhe com a mão, emitiu um profundo suspiro e, erguendo os olhos para o céu, disse:
— Removam-se os ateus. Então o procônsul insistiu com ele dizendo:
— Jure, e eu o porei em liberdade; renegue a Cristo. Respondeu Policarpo:
— Há oitenta e seis anos eu O sirvo, e Ele nunca me faltou. Como então blasfemarei meu Rei, que me salvou? (…)
— Se não se arrepender, domarei você com fogo — disse o procônsul — uma vez que despreza as feras selvagens. Então disse Policarpo:
— O senhor me ameaça com um fogo que queima durante uma hora e logo se apaga. Mas o fogo do julgamento futuro e do castigo eterno reservado para os ímpios, esse o senhor ignora. Mas por que está se delongando? Faça tudo o que lhe agradar.
(…) O povo imediatamente apanhou lenha e outros materiais secos nas oficinas e nos banhos. Nesse serviço os judeus (com sua costumeira maldade) sentiram-se particularmente dispostos a ajudar. Quando quiseram amarrá-lo na fogueira, disse Policarpo:
— Deixem-me como estou. Não é preciso prender-me com pregos, pois aquele que me dá forças para suportar o fogo também me fará permanecer na fogueira sem eu querer fugir. — Assim ele foi amarrado mas não pregado. Disse ele então:
Ó Pai, eu te bendigo por me teres considerado digno de receber o meu prêmio entre os mártires.
Assim que ele proferiu a palavra ‘Amém’, os oficiais acenderam o fogo. A chama, formando uma espécie de arco semelhante à vela enfunada de um barco, envolveu feito um muro o corpo do mártir que estava no meio do fogo não como carne queimando mas sim como ouro e prata sendo purificados na fornalha. Recebemos em nossas narinas um aroma semelhante ao que se evola do incenso ou de alguns outros perfumes preciosos. Finalmente, o povo maldoso, ao perceber que o seu corpo não poderia ser consumido pelo fogo, mandou que o carrasco se aproximasse e nele enterrasse a espada. Imediatamente, uma quantidade tão grande de sangue jorrou que o fogo se extinguiu”. [grifos meus]
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4. Blandina
A história da mártir Blandina é comovente. Observar como ela enfrentou sofrimentos, desprezou as facilidades desta vida e encarou a dor em busca da vitória em Cristo é de fazer envergonhar cada pessoa que só busca Jesus tendo em vista benesses materiais.
“Blandina revestiu-se de tamanha força que os seus torturadores, revezando-se da manhã até a noite, sentiram-se realmente extenuados e confessaram-se vencidos e exauridos com todo o seu aparato de torturas. Estavam abismados ao vê-la ainda respirando quando o seu corpo jazia dilacerado e aberto. A abençoada mulher recuperou novo vigor no ato da confissão e provou uma evidente anulação de todas as dores ao dizer:
— Sou cristã, e entre nós não se comete nenhum mal.
(…) Os fiéis avançavam com passo firme enquanto iam sendo conduzidos ao suplício. Seus semblantes brilhavam com muita graça e glória. Os grilhões eram seus mais belos ornamentos. Eles mesmos pareciam noivas enfeitadas em suas belas vestes, respirando a fragrância de Cristo. Eram submetidos à morte de várias maneiras: ou, em outras palavras, teciam uma grinalda de flores e perfumes diversos e a apresentavam ao Pai.
Maturo, Santo, Blandina e Átalo foram atirados como alimento às feras selvagens no anfiteatro, servindo de espetáculo grosseiro para os desumanos gentios. Foram expostos a todas as barbaridades que a multidão ensandecida exigia aos gritos, sobretudo à cadeira de ferro incandescente sobre a qual os seus corpos foram assados, emitindo um cheiro repugnante. Após permanecerem vivos por um longo tempo nessa condição, acabaram aos poucos expirando.
Blandina, pendurada num poste, foi exposta como alimento aos animais selvagens. Pôde ser vista suspensa na forma de uma cruz, entretida numa súplica ardente. A visão inspirou seus colegas de combate com muito entusiasmo. Com os próprios olhos corporais contemplavam na pessoa de sua irmã a figura daquele que por eles foi crucificado. Nenhuma das feras naquela ocasião a tocou. Ela foi retirada do poste e jogada novamente na masmorra. Por mais fraca e desprezível que pudesse parecer, todavia, quando vestida de Cristo, o poderoso e invencível campeão, ela venceu o inimigo numa série de batalhas e foi coroada com a imortalidade.
(…) A abençoada Blandina foi executada depois de todos os outros. Qual mãe generosa que havia exortado os seus filhos, a quem na frente enviara vitoriosos ao Rei, recapitulando toda a série de torturas, apressou-se a prová-las ela mesma, jubilosa e triunfante em seu êxito, como se fosse alguém convidado a um banquete nupcial e não alguém a ser exposto às feras. Depois de ter suportado os açoites, a dilaceração das feras e a cadeira de ferro, ela foi presa numa rede e atirada a um touro. Depois de ser jogada para o alto por algum tempo pelo animal, mostrando-se muito superior aos seus sofrimentos pela influência da esperança, pela visão consciente dos objetos de sua fé e pela sua associação com Cristo, ela finalmente entregou o seu espírito”.
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5. Romano e a criança
John Foxe registra também um duplo martírio, o de Romano e o de um menininho. É difícil ler esse texto sem se emocionar. Além da fé de Romano e de sua firmeza em busca da vitória, chamam atenção as palavras da mãe da criança martirizada:
“Ele [Romano] foi apreendido e, amarrado como uma ovelha conduzida ao matadouro, foi apresentado ao imperador (…) Quando Romano pela segunda vez pregou o Deus vivente, o Senhor Jesus Cristo, Seu Filho bem-amado, e a vida eterna por meio da fé no Seu sangue, Asclepíades ordenou aos carrascos que lhe esmurrassem a boca até que seus dentes fossem arrancados e sua pronúncia acabasse também afetada. A ordem foi cumprida: ele foi esmurrado, suas sobrancelhas foram rasgadas a unha e suas faces perfuradas a faca; a pele da barba foi pouco a pouco arrancada; finalmente, seu belo rosto estava todo deformado. Disse o dócil mártir:(…)
— Dê-me, ó prefeito, uma criança de apenas sete anos, idade isenta de malícia de outros vícios com os quais a idade mais madura geralmente está infectada, e o senhor ouvirá o que ela tem a dizer. — Seu pedido foi aceito. Dentre a multidão chamou-se um menininho que foi colocado diante do mártir.
— Dize-me, filhinho — disse ele — se tu achas que há razão para que adoremos a um só Cristo, e em Cristo a um só Pai, ou então para que adoremos a muitos deuses. Ao que o menininho respondeu:
— Certamente Aquele que os homens afirmam ser Deus (seja o que for), deve ser um só; e o que lhe é próprio é único. Porque Cristo é único, Cristo é necessariamente o verdadeiro Deus, pois nós crianças não podemos acreditar que existam muitos deuses.
A essa altura o prefeito, tomado de puro espanto, disse:
— Tu, jovem vilão e traidor, onde e de quem aprendeste essa lição?
— De minha mãe — disse a criança. — Com seu leite suguei a lição de que devo crer em Cristo. Chamou-se a mãe, e ela de bom grado se apresentou. O prefeito ordenou que a criança fosse pendurada e açoitada. Os condoídos espectadores desse ato impiedoso não conseguiam controlar as lágrimas. Apenas a mãe, exultante e feliz, a tudo assistia com as faces secas. Na verdade, ela repreendeu o seu doce filhinho por implorar um gole de água fria. Disse-lhe para ter sede da taça da qual outrora beberam os infantes de Belém, deixando de lado o leite e as papinhas de suas mães. Ela o encorajou a lembrar-se do pequeno Isaque que, vendo a espada com a qual seria abatido e o altar sobre o qual seria queimado em sacrifício, de boa mente apresentou o tenro pescoço ao golpe da espada do seu pai.
Enquanto era dado esse conselho, o sanguinário algoz arrancou o couro do alto da cabeça do menino, com cabelo e tudo. Gritou então a mãe:
— Agüenta, filhinho! Logo tu verás Aquele que te enfeitará a cabeça nua com uma coroa de glória eterna. — A mãe consola, a criança sente-se consolada; a mãe anima, o menininho sente-se animado e recebe os açoites com um sorriso no rosto. O prefeito, percebendo que a criança era invencível e sentindo-se derrotado, mandou o abençoado menininho para a fétida masmorra e deu ordens para que as torturas de Romano, principal autor destas maldades, fossem repetidas e intensificadas.
Assim, Romano foi trazido outra vez para novos açoites, devendo os castigos ser renovados e aplicados sobre as suas velhas feridas. O tirano já não agüentava mais; era necessário apressar a sentença de morte.
— É penoso para ti — disse ele — continuar vivo por tanto tempo? Não tenhas dúvida de que uma flamejante fogueira será em breve preparada. Nela tu e aquele menino, teu companheiro de rebelião, sereis consumidos e transformados em cinza. — Romano e o menininho foram conduzidos para a execução. Ao chegarem ao local escolhido, os carrascos arrancaram o filho da sua mãe, que o tomara nos braços. A mãe, limitando-se a beijá-lo entregou a criancinha.
— Adeus! — disse ela — Adeus, meu doce filhinho. Quando tiveres entrado no reino de Cristo, lá no teu abençoado estado lembra-te da tua mãe. — E enquanto o carrasco aplicava a espada ao pescoço da criancinha, ela cantou assim:
Todo louvor do coração e da voz
Nós te rendemos, Senhor.
Neste dia em que a morte deste santo
Recebes com muito amor.
Tendo sido cortada a cabeça do inocente, a mãe a envolveu em seu vestido e a segurou no colo. Do lado oposto, uma grande fogueira foi acesa na qual Romano foi atirado. No mesmo instante desabou uma grande tempestade. Finalmente o prefeito, sentindo-se confuso diante da força e coragem do mártir, deu ordens rigorosas para que ele fosse reconduzido à prisão, onde deveria ser estrangulado”
Últimas palavras
Sinto-me envergonhado do cristão que sou. Achamos que ser cristão é ir ao culto, levantar a mão, cantar, ouvir uma mensagem e dar a paz do Senhor pelos corredores. E, lógico, pecar bastante sem ligar muito pra isso. Eu leio “O Livro dos Mártires” e sinto o peso da minha pecaminosidade, a fragilidade da minha fé, a superficialidade de minha relação com Cristo. Vendo o que esses cristãos dos quais eu nãos sou digno de beijar os pés passaram, só me resta olhar no espelho e me envergonhar do cristão de meia-tigela que eu sou.
Paz a todos vocês que estão em Cristo.

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